Não adianta usar a favela como tema e botar a cabeça no travesseiro achando que tá fazendo uma grande coisa. Um filme, um livro, um CD ou um programa de TV não muda a realidade de nada. É óbvio que ajuda a mover as idéias na sociedade, essas sim, mudam, para o bem, para o mal, mas apesar de isso ser muito de um lado, é muito pouco diante de questões urgentes como a fome e a violência urbana.
Pra falar de um assunto da moda, vou citar a bola da vez: Tropa de Elite. É lógico que Tropa de Elite não vai mudar o brasil. É até injusto botar essa responsa numa obra cinematográfica, pois sua função é outra, é discutir idéias e, quem sabe, de quebra, dar uma forcinha pro cinema brasileiro; não é resolver problemas reais. Quem tem que resolver problemas reais são os governos pressionados por uma sociedade atuante. Se algum filme ou programa de TV resolvesse alguma coisa, "Pixote - A Lei do Mais Fraco" tinha mudado a realidade dos meninos de Rua no Brasil há décadas.
Na época, o filme do Babenco foi indicado ao Globo de Ouro como Melhor Filme estrangeiro, fez um barulho danado, e todo mundo sabe que não resolveu nem a vida do Fernando Ramos, o Pixote, que, foi assassinado por PMs na favela de Diadema (SP), em agosto de 1987.
A verdade é a seguinte: ou a gente troca esse disco e a periferia se impõe virando protagonista do modo de produção desses produtos ou a favela vai estar mais uma vez apenas sendo usada. Nem tô falando do Padilha, ok? Não lembro de tê-lo visto falando que o filme era um instrumento político e tal. Ele se coloca como cineasta e pronto. O problema é quando a favela é tema de livro na zona sul e o autor acha que tá fazendo alguma coisa pela favela e ainda recebe dinheiro publico para tal. Isso é o que no sapatinho a gente chama de "exploração do bem", ou seja, uma coisa tão absurda que nem existe!
Nem se trata dos asfaltistas abrirem seus coraçõezinhos (leia-se os cofres abarrotados), mas de a periferia ir abrindo seu espaço, editando seus próprios livros ou fazendo parcerias , fazendo seus próprios filmes, seus próprios programa de TV, ou, amigo, de boa intenção todo mundo sabe que o inferno tá cheio. Outro lugar que também tá cheio de gente bem intencionada são as coberturas ou mansões de frente para o mar. Só que o Monarco continua morando na Mangueira.
Eu não tenho nada contra as coberturas e mansões, tanto é que quero a minha também, a final a nossa luta não 'e para dividir a miséria, mas a riqueza! O lance é que quando a "intelectualidade do bem" faz um programa de TV defendendo o samba, o Monarco, coitado, fica com a merreca das vendas. Todo mundo quer ser porta voz da cultura da favela, todo mundo diz que a favela vai lucrar com essa exposição na mídia, mas o dinheiro dos produtos culturais não chega na favela, irmão!
Queria ver alguém ser porta voz daquele pianista fodão Nelson Freire sem ele lucrar o percentual majoritário na parada! O barraco ia baixar nos salões mais chiques do mundo,e com razão! O fato é que pimenta no cuscuz dos outros é refresco. Eu sou a favor de juntarmos as mãos para mudar a realidade, mas sem esquizofrenia e oportunismo. Favela é favela, elite é elite. E quando o assunto for favela, não vem querer me convencer que você entende do mais que nós. Não vai querer se dar bem em cima da nossa foto. Porque depois de desatarmos as mãos, ao fim de uma reunião, cada um vai pra sua casa e vida fica bem diferente.
Faz um tempao que a intelectualidade escreve dezenas de livros, faz filmes e tem um monte de opinião sobre o que deve ser feito. Bacana. Mas quem de fato começou a dar alguma espécie de solução para a favela foi ela própria. Movimentos como Afroreggae, Nós do Morro, Observatório das Favelas, Bagunçasso, Cine Periferia, MCR, são reconhecidos pelo poder público do Brasil e do mundo como iniciativas que criaram oportunidades inéditas, nunca sequer imaginadas.
E não eram, porque as 'soluções' vinham da intelectualidade endinheirada. Hoje, estas instituições, constroem modelos bem sucedidos e já começam a criar um embrião de geração de intelectuais de favela. Isso mesmo. Temos nossos próprios proto-pensadores pensando do nosso jeito. E a solução tá vindo por aí, pelo fato de fazermos as coisas do nosso jeito. No primeiro ano, pode até sair meia-boca. No segundo, também. Mas no terceiro dá certo e se nao der, se precisamos de 300 anos, tudo bem, ja comecou a contar !
Essas Organizações criaram arduamente o conceito de "protagonismo social". Que significa que a própria favela se remoeu e arranjou suas próprias soluções, e isso só foi possível porque elas começaram a fazer as coisas do seu próprio jeito. Resumindo: se quiser me ajudar, irmão, deixa eu fazer meu próprio show. A favela já está bem grandinha em termos institucionais, políticos e estéticos, ela já pode falar por si, e negociar com as outras instituições de igual pra igual.
Qualquer coisa diferente disso me parece e é tentativa de "infantilizar" a favela no assunto mais difícil de todos: grana! Que é onde o bicho sempre pega e o coração dos "intelectuais do bem" sempre aperta. O bagulho é tão doido que o preto e pobre sempre apareceu na TV e nada muda. A novidade mais importante dessa história é colocar os pretos pobres fazendo TV, cinema, teatro, livros e tudo o mais. E assim tornar essa indústria cultural mais justa socialmente. Do contrário, é enganação, não é Justiça Social, é apenas Justiça Visual ou até visual de justiça.
Celso Athayde - Coordenador Nacional da Central Ùnica das Favelas
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